quarta-feira, setembro 23, 2015

A Arte Nova em Bruxelas

Outro pretexto para se conhecer Bruxelas e caminhar pelas suas ruas para além da arte mural da banda desenhada é o de ir em busca de exemplos de Arte Nova.

A arte surgida nos finais do século XIX foi breve e não durou para além da primeira década do século XX. Em Portugal, e como já havia escrito em post sobre Aveiro, é sobretudo nesta cidade banhada pela ria que encontramos um bom naipe de exemplos desta arte.

Na Bélgica a Arte Nova entrou em força em Bruxelas. Naquela época vivia-se alguma euforia e o rei Leopoldo II promovia a construção de novos bairros. É percorrendo as ruas dos bairros de Ixelles, Schaerbeek ou Saint-Gilles que ficamos com uma ideia do que esta arte representou para o edificado da cidade. Antes periféricos, hoje estes bairros são parte do coração da cidade e aqui sente-se um ambiente de gentrificação, sendo bairros vividos por diversas comunidades. 

Historicamente a Arte Nova ficou ligada à pujança da burguesia endinheirada que pretendia construir as suas moradias num estilo da época que se queria moderno, numa ruptura com os estilos do passado, ainda que respeitando alguns elementos antigos. Até pela sua brevidade, a Arte Nova pode pois ser encarada como um estilo de transição, à qual se seguiu a Arte Deco.

Toda uma experiência estética, progressista e afirmativa para uma nova burguesia que fizera fortuna recente com o desenvolvimento dos seus empreendimentos industriais e comerciais e tinha poder para encomendar o desenho das suas moradias a arquitectos de talento.

Em Bruxelas, a partir de 1893, dois arquitectos foram decisivos para tornar este movimento da Arte Nova central: Victor Horta e Paul Hankar. Victor Horta tem mesmo um museu que lhe é dedicado, instalado naquela que foi a sua moradia pessoal e atelier em Saint-Gilles.

O que caracteriza então este movimento? É, desde logo, um movimento transversal, não se limitando à arquitectura, mas manifestando-se igualmente nas artes decorativas, na criação de cartazes, na cerâmica, entre outros.

Atendo-nos à sua arquitectura, de sensibilidade humanista e com preocupações de harmonia com a natureza, a Arte Nova caracteriza-se pelo uso de materiais como ferro forjado, vidro, madeiras preciosas e mármore. Nas fachadas é visível a utilização de estruturas metálicas na sua decoração. A atenção posta nos pormenores é evidente e não só nas fachadas, mas também nas portas e seus puxadores, nas rampas de escadas, balaustradas e no interior no mobiliário, lâmpadas e demais objectos. Há um excesso de ornamentação e as linhas e formas denotam alguma sinuosidade, sendo as cores e a luminosidade que se pretende que flua nos interiores de todas as divisões outro aspecto a merecer relevância.

Alguns dos motivos dominantes da Arte Nova são os temas arabescos, a figura da mulher e elementos naturalistas como plantas e animais.

Em Bruxelas a associação urbanística ARAU (http://www.arau.org/en/t/1-brussels-1900-art-nouveau/1) promove visitas temáticas no sentido de se entender as origens, técnicas e características da Arte Nova na cidade.

Alguns exemplos de edifícios em Arte Nova em Bruxelas.



Edifício Old England, hoje Museu dos Instrumentos Musicais, projecto de Paul Saintenoy, construído entre 1898-99.
Este exemplo é incontornável e quase impossível de escapar a qualquer visitante de Bruxelas, tal é a sua localização, bem junto ao Palácio e Museus Reais de Belas Artes.
De seis andares, originalmente dedicados a lojas, a sua fachada frontal cheia de fantasia cativa. É toda envidraçada, num complexo de ferro fundido e aço, em cor preta. Num dos lados do topo tem uma torre feita de ferros entrelaçados.


Maison Cauchie, projecto de Paul Cauchie, construída em 1906, com morada no número 5 da Rue des Francs, para lá do Parque do Cinquentenário. 
Aqui a decoração por meio de esgrafitos na fachada surpreende, com a pintura de diversas figuras femininas no topo e uma só no segundo piso numa pose aparentemente reivindicativa anunciando "Par Nous, Por Nous".

(sem foto)
Casa Victor Horta, projecto de Victor Horta, construída entre 1898-1901, nos números 23 e 25 da Rue Americaine, em Ixelles.
Aqui ficava o antigo atelier e casa deste arquitecto, agora tornado museu. Não tive oportunidade de visitar o seu interior, que é a maior riqueza desta casa, em especial o uso que o arquitecto faz da luz natural e os pormenores nos corrimãos e mobiliário. 
As fachadas dos dois edifícios contíguos (casa e atelier) são em pedra, mas também é aqui visível o uso do ferro fundido na coluna que suporta o primeiro andar e o uso do vidro no segundo andar.
As janelas em curva são outra marca distintiva.



Loja de têxteis Waucquez, hoje Centro Belga de Banda Desenhada, projecto de Victor Horta, construído entre 1903-06 bem no centro de Bruxelas.
Edifício de dois andares, o estilo em Arte Nova da sua fachada talvez não seja muito óbvio, com recurso ao uso da pedra e vidro e não do metal. O interior deste edifício, o único sobrevivente dos seis edifícios para grandes lojas que Victor Horta projectou, é um claro exemplo de um uso superior da luz nos espaços interiores. São ainda visíveis os elementos em ferro plenos de curvas nas escadas e corrimãos.
 

Maison Saint-Cyr, projecto de Gustave Strauven, construída em 1900 na Praça Ambiorix, no bairro Leopold.
Edifício estreito e alto, este é um exemplo da exuberância que a Arte Nova pode tomar. A sua fachada está profusamente ocupada com um trabalho intrincado de ferro nas varandas com uma loggia redonda no topo. O tom verde claro do ferro contrasta com as linhas quase alaranjadas das janelas em vidro, dando ainda mais alegria e fantasia a este edifício.

Maison Autrique, um dos primeiros projectos de Victor Horta, construída em 1893, no número 226 da Chaussée de Haecht, em Schaerbeek.
Aqui estávamos nos primórdios da arte nova. A fachada é discreta, em pedra branca com as juntas definidas por linhas a vermelho.


Aqui perto, na Avenida Louis Bertrand, encontramos outro exemplo de Arte Nova, com a entrada de um edifício cheia de ferros entrelaçados. 

Numa sua perpendicular, na Rue Josaphat, damos de caras com um Ginásio assinado por Henri Jacobs, topo arredondado com pequenas colunas a sustentá-lo.

Por fim, a Maison du Peuple, obra prima de Victor Horta. A esta poucos de nós lhe pôs a vista em cima, uma vez que foi destruída em 1965 para ser substituída pela incaracterística Torre Sablon. Diz-se da Casa do Povo que era um hino à liberdade de pensamento e criação, denotando as preocupações morais e até humanistas subjacentes à Arte Nova. Criada em 1895 por Victor Horta, a pedido do Partido Operário Belga, este edifício acolhia escritórios, salas de reunião e de espectáculos, em plena comunhão com a vizinha Igreja Notre-Dame-de-la-Chapelle. 
Os protestos contra a sua destruição foram em vão.