sexta-feira, março 24, 2006

A Área Protegida da Serra do Açor

A Serra do Açor fica na zona centro do nosso país, entre a Serra da Lousã e a Serra da Estrela, e abrange vários concelhos, entre os quais Arganil e Oliveira do Hospital.
Não desdenhando da restante paisagem, a Área Protegida da Serra do Açor comporta dois ex-libris: a Fraga da Pena e a Mata da Margaraça, ambos situados no concelho de Arganil e abrangendo em parte as freguesias da Benfeita e de Moura da Serra.
Habituada que estava desde que nasci a passar algumas temporadas do ano pelas bandas da Serra do Açor, mais especificamente em Aldeia das Dez (10 badaladas, 10 casas, 10 habitantes, 10 o quê?), concelho de Oliveira do Hospital, cometi a proeza de demorar 29 anos para verificar in loco a maravilha que são aqueles dois poisos. Ainda fui a tempo de encontrar locais que parecem permanecer intocados pelo Homem. Embora longe de conhecer todo o país, ou sequer de estar próxima de o alcançar, avanço sem receios a colocação da Fraga num qualquer top dos recantos mais bucólicos e fascinantes do Mundo e quiça da Europa e de Portugal!
A Área Protegida da Serra do Açor é constituída por cerca de 346ha, de entre a totalidade de cerca de 1297ha que dispõe aquela montanha. Nesta Área Protegida a altitude varia entre os 400m e os 1012m, o que mostra bem o desnível e o recorte da paisagem. Para lá chegar, dominam os vales e mais vales. A estrada, como quase todas as outras por aqueles lados, é um composto de curvas e mais curvas, em asfalto e, depois, subitamente, em terra.


No Verão do ano passado a paisagem era desoladora. O fogo consumiu grande parte da Serra do Açor, tudo o que se via à volta parecia lava, de tão preto que os vales ficaram. O cenário era ainda mais chocante quando se deparava com o tão próximo que as chamas chegaram dos povoados. A preocupação principal – e talvez a única possível – era salvar as casas, daí o traçado que parece realizado a regra e esquadro presente na paisagem. No entanto, milagrosamente o fogo não penetrou quer pela Mata da Margaraça quer pela Fraga da Pena. Milagre? Só se for o de 2005, porque há uns anitos atrás não poupou a Mata.


Só para nos localizarmos convenientemente no mapa, direi que a povoação mais conhecida por perto, quer da Mata quer da Fraga, é o Piodão, aldeia sistematicamente colocada nos tops das mais bonitas, mais antigas, mais altas, mais pequenas, mais não sei o quê do país. O certo é que, passe todos aqueles títulos artificialmente criados para constar de um qualquer livro ou folheto de propaganda, o Piodão consegue manter as suas características de rainha das casas em xisto, com a sua igreja propositadamente a destoar no seu branco da cal. À chegada somos assaltados pelos vendedores na rua – de pão, de artesanato, de tudo o que calhar. Pena é que a casa com original artesanato que ficava por baixo do Museu tenha fechado. Os dois artesãos que faziam – e vendiam – os seus trabalhos com as matérias primas retiradas do que a natureza por ali reserva, como é o caso do xisto e da urze, eram (serão) uns verdadeiros artistas.

A Fraga da Pena


A chegada não é muito fácil. Não que o caminho seja muito mau. Simplesmente, fica quase no fim do mundo – será que ainda falta muito? Já a teremos passado? Talvez por isso se mantenha ainda tão autêntica.
A Fraga é um pequeno recanto, com imensa vegetação, fresquíssimo, uma excelente opção para ultrapassar parte dos dias de verão intenso. Ainda para mais pode-se banhar nas suas águas.
A caracterizá-la, o acidente geológico que constitui a queda de água de cerca de 70 metros, distribuida em várias plataformas. A cascata vai caindo desde lá de cima até um espaço onde a água é pouco mais do que congelante, protegida que está pelas árvores. Subindo as escadas – em xisto, nem sempre inteiro ou completamente seguro – descobre-se a cascata nos seus vários níveis. A cada “andar” uma pequena piscina artifical. No último “andar”, só para aqueles com mais fôlego para subir degraus, um verdadeiro ninho para os namorados. Desculpa lá, ó casalinho, se vos interrompi algumas coisa!

Pelos caminhos da Fraga vamo-nos deparando com algumas pequenas construções – todas elas em xisto. A maior delas, e talvez em melhores condições, possui um alpendre cacheado de videiras com as suas uvas a cairem-nos pelos ombros. Um mimo.
Por aqui, o silêncio apenas é interrompido pelo diálogo (ou monólogo) dos bichos que por ali andam e pelo passar da água da ribeira ou o cair da mesma água pela cascata.


A Mata da Margaraça

A Mata da Margaraça, uns kms antes da Fraga da Pena para quem vem do Piodão, o contrário para quem vem de Arganil ou Coja, ocupa parte da vertente norte da denominada Serra da Picota e, diz-nos o seu centro de acolhimento, é um resíduo do que foi um dos mais opulentos maciços florestais das Beiras.
Da partida do centro de acolhimento e de interpretação – em xito, pois claro –, na qual se prevê, igualmente, a instalação de um núcleo museológico, são possíveis vários cenários para explorar a Mata, uns mais longos outros para quem ali vai de fugida. São inúmeros os caminhos que poderemos explorar, muitos dos quais atravessados por ribeiras.

O seu coberto vegetal é abundante, exuberante e, em parte, raro. Carvalho e castanheiro, medronheiros, folhados, azereiros e ulmeiros. Por toda esta riqueza vegetal, a Mata da Margaraça está incluída na rede europeia de reservas biogenéticas. Actualmente a Mata é propriedade do ICN.
Nas suas imediações existem escassas e pouco habitadas povoações. Ainda assim, vê-se que estas terras atraiam os agricultores, pelas quelhadas que vão povoando a paisagem que nos leva até à Mata (plataformas sustidas por pedras de xisto destinadas a conter a terra das encostas), e pelas levadas de água de rega.
A Mata propriamente dita é um contraste com a paisagem que a circunda, motivada pela aridez dos pinheiros que resistiram ao fogo impiedoso.
A sua fauna é também variada. Felizmente que não vi nenhum bicho raro, pois se qualquer insecto me deixa em transe... Não vi, ou fiz por não ver, nem javali, nem geneta. Nem coruja-do-mato, nem gavião, nem açor. Nem salamandra-de-cauda-comprida, nem lagarto-de-água. Ufa!